TEATRO SÃO JOÃO - SALVADOR, BAHIA, 1850
Desde a mais remota infância, desde o tempo em que morava na fazenda, Castro Alves ouvia falar
de um tio, o Alferes João José Alves, conversador, irrequieto e desregrado .
Vez por outra chegava notícia da capital
contando as rugas e arruaças daquele tio brigão.
Aos sete anos, quando seus pais deixaram a fazenda e se
mudaram para Salvador, Castro Alves satisfez sua curiosidade e conheceu o tio.
“Uma tarde, disse Jorge Amado em seu livro “ABC de
Castro Alves”, o alferes chegou. Aceitou
o café que a mucama lhe trouxe na bandeja de prata, Dr. Alves não estava,
sobrinhos brincavam lá dentro, a cunhada ocupada nos quefazeres domésticos, só Antônio, aquele que no futuro
seria o magistral poeta, se encarapitou
nas suas pernas...”
Segurando o sobrinho, o tio exclamou:
-- A liberdade, meu filho, é o maior bem que existe na terra
!
Quem, afinal, foi esse Alferes ?
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Irmão do Dr. Antônio José Alves (médico famoso, professor da
Faculdade de Medicina da Bahia e pai do poeta Antônio Frederico de Castro
Alves) foi o Alferes João José Alves um herói da luta contra a cólera-morbo e da Guerra do Paraguai.
Desde criança, seu temperamento era oposto ao do irmão. Enquanto Antônio José Alves era tranqüilo e comedido, amante dos livros e do
estudo, João José Alves amava mais a rua do que a casa paterna, chefiava moleques,
filava aulas e apedrejava pomares.
Adulto, conservou seu temperamento briguento e irrequieto,
muitas vezes batendo às portas do irmão no meio da noite, em busca de asilo, de
esconderijo seguro para suas brigas e arruaças.
Certa feita, arvorado em cabo eleitoral da oposição, se
levantou contra Wanderley, Tibério Moncorvo e demais conservadores. Furtou uma
urna eleitoral e, sob o olhar tolerante do irmão, a admiração dos sobrinhos e o temor da cunhada, se escondeu na casa do Dr. Alves.
Outra vez fez coisa muito pior: desafiando o Presidente da província,
interrompeu o espetáculo do Teatro São João e rasgou o pano de boca pondo em pânico os espectadores. Jorge Amado, relata o
episódio do seguinte modo:
“Uma vez o Dr.Alves levou os filhos ao teatro. Era o São
João, o mesmo onde anos depois Castro Alves seria aclamado como um ídolo, como
um paladino da liberdade, como a voz mais alta do seu povo. E o teatro naquela
noite estava num de seus dias maiores. O presidente da província, no seu
camarote, dominava a assistência. As demais autoridades estavam presentes, os
chefes da oposição, as mais ilustres famílias, as mulheres vestidas com pompa,
elegância e luxo, os homens ostentando casacas e condecorações. Nas tribunas os estudantes e
os populares olhavam a imponência das famílias que chegavam. O espetáculo vai
começar. Descerra-se lentamente o pano de boca, todos os olhares estão fitos no
palco, o cenário vai aparecendo.
As lutas da Independência ainda estavam próximas. O Brasil
deixara de ser colônia há bem pouco tempo. Os ânimos ainda estavam exaltados e
tudo que lembrava Portugal como dominador tinha para os brasileiros o sabor de
insulto. No cenário agora totalmente visível o primeiro governante geral do
Brasil, Tomé de Sousa, descia da caravela para a terra nova e era uma esbelta e
rica figura, altiva e desdenhosa. Aos seus pés os índios se curvavam em quase adoração. Os olhos de
todos do teatro estavam fitos no cenário. Houve mesmo nos camarotes um começo
de palmas à beleza da realização do cenarista e aos atores que entravam em cena. Mas das torrinhas veio uma voz de
estudante que gritou:
-- Fora! O Brasil se inclinando ante Portugal. Fora!
Outra voz exclamou:
-- Isso é um insulto..
.
E, de repente, do camarote da família Alves um homem pula no
palco. É o Alferes João José Alves, leva um punhal na mão. Seu punhal alcança o
peito de Tomé de Sousa, o cenário se rasga, as punhaladas se sucedem. Agora os
estudantes e o povo das torrinhas aplaudem entusiasticamente. O cenário está
reduzido a tiras, os artistas fugiram do palco. Wanderley, então presidente da
província, se retira do seu camarote, considerando-se agravado com o sucedido.
Mas o povo o vaia, diz que ele está vendido aos portugueses, que não é
brasileiro, não sente a liberdade. Ele mandou que a tropa faça fogo sobre o
povo, o Alferes João José atira longe seu punhal, grita para os soldados:
-- Terão coragem de atirar sobre seus irmãos?
Atrás dele, de peitos descobertos estão dezenas de populares e estudantes. Os soldados não atiram, deixam
que a multidão se jogue para a rua e organize passeatas de protesto, comícios,
um princípio de revolta.
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Este homem terrível, verdadeira ameaça para a tranqüilidade
pública, tinha o seu lado bom. Ouçamos, mais uma vez, Jorge Amado:
“Em 1855 surgiu a cólera
morbo. Então os irmãos Alves se encontraram juntos. O pai de Castro
Alves deixou a clínica, a renda certa, o conforto garantido, para se entregar
inteiramente ao combate à epidemia. Esta crescia de uma maneira devastadora,
fazendo do Recôncavo Baiano um único cemitério onde os senhores caiam ao lado
dos escravos, numa imprevista igualdade diante da moléstia impiedosa. Na capital a oposição aproveitava o momento
para fazer política, para talvez derrubar Tibério, então presidente da
província. Moveram-lhe uma campanha de ferocidade inaudita. Mas poucos se
preocupavam de seguir o exemplo do Dr.Alves e ir tratar dos enfermos. As mortes
se sucediam, os cadáveres já não eram enterrados, as cidades se transformavam
em cemitérios. Tibério Moncorvo, nomeia os médicos da
oposição e os envia para o Recôncavo devastado. Entre eles, o Dr. João Barbosa,
chefe dos liberais.
Partiu com eles o Alferes João José Alves. Os médicos
oposicionistas chegaram, viram a força invencível da cólera-morbo, o medo foi
maior que o desejo de aparecerem grandes diante dos eleitores, foi maior mesmo
que o orgulho profissional e o sentimento de humanidade. Voltaram pelo mesmo
navio que os levara, deixaram os doentes no mesmo abandono, preferiram de muito
o sorriso sarcástico de Tibério e a desmoralização política que a vida naquele
inferno, vida que seria apenas a espera de umta morte certa em poucos dias.
Um homem no entanto ficou. Desiludido dos chefes, o cabo
eleitoral dos liberais ficou com o povo que morria nas ruas. Ficou sozinho o
Alferes João José Alves. Nem todos os liberais o eram apenas de nome. O alferes
não era homem que recuasse. No seu peito batia um coração valente. Os homens de
ciência, os homens dos gabinetes voltaram. O homem da praça pública ficou. Não
se precaveu, não se imunizou, não fugiu dos doentes. Foi para junto deles,
virou enfermeiro, médico, farmacêutico, coveiro dos que morriam, sacerdote para
os que sofriam, levando às viúvas palavras de alento, levando aos órfãos o
alimento arranjado sabe Deus como. Foi de repente a providência de toda aquela
gente. Estava em toda a parte, incansável, barbado e sujo, sem dormir,
levantando ânimos, capacitando gente para lutar contra a peste. Aquele homem
que passara uma vida inteira procurando destruir governos se revelava um
organizador, galvanizando com sua coragem e o seu sangue-frio uma região
inteira prestes a sucumbir sem reação. Foi a alma de todos os que se ergueram
para combater a epidemia.
Animava os sãos, tratava dos enfermos, enterrava os mortos.
O agitador virava santo para a gente da rua. O homem que rasgava cenários nos
teatros da capital investia com o mesmo ardor e o mesmo sorriso contra a peste
mais violenta. O ciclo de heroísmo da sua vida se completou, agora o seu irmão
já encontrava palavras boas para louvar a sua coragem. E o sobrinho ainda mais
o admira, seu ídolo se conserva de pé.”
Vencida a epidemia, o alferes, quando
eclodiu a Guerra do Paraguai, se inscreveu como voluntário, lutou nas planícies
do sul e regressou como herói.
Mais uma vez herói
Muito bom texto, embora careça de detalhes importantes na vida de qualquer cidadão.
ResponderExcluirGostaria de conhecer melhor a história desse alferes, saber onde e quando nasceu e morreu, é muito importante para quem deseja saber um pouco mais sobre asa figuras notórias da nossa amada Bahia.
Muito bom texto, embora careça de detalhes importantes na vida de qualquer cidadão.
ResponderExcluirGostaria de conhecer melhor a história desse alferes, saber onde e quando nasceu e morreu, é muito importante para quem deseja saber um pouco mais sobre asa figuras notórias da nossa amada Bahia.