segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

ALFERES JOÃO JOSÉ ALVES




TEATRO SÃO JOÃO - SALVADOR, BAHIA, 1850


Desde a mais remota infância, desde o tempo em que  morava na fazenda, Castro Alves ouvia falar de um tio, o Alferes João José Alves, conversador, irrequieto e desregrado . Vez por outra chegava notícia  da capital contando as rugas e arruaças daquele tio brigão.

Aos sete anos, quando seus pais deixaram a fazenda e se mudaram para Salvador, Castro Alves satisfez sua curiosidade e conheceu o  tio.

“Uma  tarde, disse Jorge Amado em seu livro “ABC de Castro Alves”,  o alferes chegou. Aceitou o café que a mucama lhe trouxe na bandeja de prata, Dr. Alves não estava, sobrinhos brincavam lá dentro, a cunhada ocupada nos quefazeres  domésticos, só Antônio, aquele que no futuro seria o  magistral poeta, se encarapitou nas suas pernas...”

Segurando o sobrinho, o  tio exclamou:

-- A liberdade, meu filho, é o maior bem que existe na terra !

Quem, afinal, foi esse Alferes ?

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Irmão do Dr. Antônio José Alves (médico famoso, professor da Faculdade de Medicina da Bahia e pai do poeta Antônio Frederico de Castro Alves) foi o Alferes João José Alves um herói da luta contra a cólera-morbo e da Guerra do Paraguai.

Desde criança, seu temperamento era oposto ao do irmão. Enquanto Antônio José Alves era tranqüilo e comedido, amante dos livros e do estudo, João José Alves amava mais a rua do que a casa paterna, chefiava moleques, filava aulas e apedrejava  pomares.

Adulto, conservou seu temperamento briguento e irrequieto, muitas vezes batendo às portas do irmão no meio da noite, em busca de asilo, de esconderijo seguro para suas brigas e arruaças.

Certa feita, arvorado em cabo eleitoral da oposição, se levantou contra Wanderley, Tibério Moncorvo e demais conservadores. Furtou uma urna eleitoral e, sob o olhar tolerante do irmão, a admiração dos  sobrinhos  e o temor da cunhada, se escondeu  na casa do Dr. Alves.

Outra vez fez coisa muito pior: desafiando o Presidente da província, interrompeu o espetáculo do Teatro São João e rasgou o pano de boca  pondo em pânico  os  espectadores. Jorge Amado, relata  o episódio do seguinte modo:

“Uma vez o Dr.Alves levou os filhos ao teatro. Era o São João, o mesmo onde anos depois Castro Alves seria aclamado como um ídolo, como um paladino da liberdade, como a voz mais alta do seu povo. E o teatro naquela noite estava num de seus dias maiores. O presidente da província, no seu camarote, dominava a assistência. As demais autoridades estavam presentes, os chefes da oposição, as mais ilustres famílias, as mulheres vestidas com pompa, elegância e luxo, os homens ostentando casacas e  condecorações. Nas tribunas os estudantes e os populares olhavam a imponência das famílias que chegavam. O espetáculo vai começar. Descerra-se lentamente o pano de boca, todos os olhares estão fitos no palco, o cenário vai aparecendo.

As lutas da Independência ainda estavam próximas. O Brasil deixara de ser colônia há bem pouco tempo. Os ânimos ainda estavam exaltados e tudo que lembrava Portugal como dominador tinha para os brasileiros o sabor de insulto. No cenário agora totalmente visível o primeiro governante geral do Brasil, Tomé de Sousa, descia da caravela para a terra nova e era uma esbelta e rica figura, altiva e desdenhosa. Aos seus pés os índios   se curvavam em quase adoração. Os olhos de todos do teatro estavam fitos no cenário. Houve mesmo nos camarotes um começo de palmas à beleza da realização do cenarista e aos atores que entravam  em cena. Mas das torrinhas veio uma voz de estudante que gritou:

-- Fora! O Brasil se inclinando ante Portugal. Fora!

Outra voz exclamou:

-- Isso é um insulto..
.
E, de repente, do camarote da família Alves um homem pula no palco. É o Alferes João José Alves, leva um punhal na mão. Seu punhal alcança o peito de Tomé de Sousa, o cenário se rasga, as punhaladas se sucedem. Agora os estudantes e o povo das torrinhas aplaudem entusiasticamente. O cenário está reduzido a tiras, os artistas fugiram do palco. Wanderley, então presidente da província, se retira do seu camarote, considerando-se agravado com o sucedido. Mas o povo o vaia, diz que ele está vendido aos portugueses, que não é brasileiro, não sente a liberdade. Ele mandou que a tropa faça fogo sobre o povo, o Alferes João José atira longe seu punhal, grita para os soldados:

-- Terão coragem de atirar sobre seus irmãos?

Atrás dele, de peitos descobertos estão dezenas de populares  e estudantes. Os soldados não atiram, deixam que a multidão se jogue para a rua e organize passeatas de protesto, comícios, um princípio de revolta.

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Este homem terrível, verdadeira ameaça para a tranqüilidade pública, tinha o seu lado bom. Ouçamos, mais uma vez, Jorge Amado:

“Em 1855 surgiu a cólera  morbo. Então os irmãos Alves se encontraram juntos. O pai de Castro Alves deixou a clínica, a renda certa, o conforto garantido, para se entregar inteiramente ao combate à epidemia. Esta crescia de uma maneira devastadora, fazendo do Recôncavo Baiano um único cemitério onde os senhores caiam ao lado dos escravos, numa imprevista igualdade diante da moléstia impiedosa.  Na capital a oposição aproveitava o momento para fazer política, para talvez derrubar Tibério, então presidente da província. Moveram-lhe uma campanha de ferocidade inaudita. Mas poucos se preocupavam de seguir o exemplo do Dr.Alves e ir tratar dos enfermos. As mortes se sucediam, os cadáveres já não eram enterrados, as cidades se transformavam em cemitérios. Tibério Moncorvo, nomeia os médicos da oposição e os envia para o Recôncavo devastado. Entre eles,  o Dr. João Barbosa, chefe dos liberais.

Partiu com eles o Alferes João José Alves. Os médicos oposicionistas chegaram, viram a força invencível da cólera-morbo, o medo foi maior que o desejo de aparecerem grandes diante dos eleitores, foi maior mesmo que o orgulho profissional e o sentimento de humanidade. Voltaram pelo mesmo navio que os levara, deixaram os doentes no mesmo abandono, preferiram de muito o sorriso sarcástico de Tibério e a desmoralização política que a vida naquele inferno, vida que seria apenas a espera de umta morte certa em poucos dias.

Um homem no entanto ficou. Desiludido dos chefes, o cabo eleitoral dos liberais ficou com o povo que morria nas ruas. Ficou sozinho o Alferes João José Alves. Nem todos os liberais o eram apenas de nome. O alferes não era homem que recuasse. No seu peito batia um coração valente. Os homens de ciência, os homens dos gabinetes voltaram. O homem da praça pública ficou. Não se precaveu, não se imunizou, não fugiu dos doentes. Foi para junto deles, virou enfermeiro, médico, farmacêutico, coveiro dos que morriam, sacerdote para os que sofriam, levando às viúvas palavras de alento, levando aos órfãos o alimento arranjado sabe Deus como. Foi de repente a providência de toda aquela gente. Estava em toda a parte, incansável, barbado e sujo, sem dormir, levantando ânimos, capacitando gente para lutar contra a peste. Aquele homem que passara uma vida inteira procurando destruir governos se revelava um organizador, galvanizando com sua coragem e o seu sangue-frio uma região inteira prestes a sucumbir sem reação. Foi a alma de todos os que se ergueram para combater a epidemia.

Animava os sãos, tratava dos enfermos, enterrava os mortos. O agitador virava santo para a gente da rua. O homem que rasgava cenários nos teatros da capital investia com o mesmo ardor e o mesmo sorriso contra a peste mais violenta. O ciclo de heroísmo da sua vida se completou, agora o seu irmão já encontrava palavras boas para louvar a sua coragem. E o sobrinho ainda mais o admira, seu ídolo se conserva de pé.”

Vencida a epidemia, o alferes, quando eclodiu a Guerra do Paraguai, se inscreveu como voluntário, lutou nas planícies do sul e regressou como herói.

Mais uma vez herói




2 comentários:

  1. Muito bom texto, embora careça de detalhes importantes na vida de qualquer cidadão.

    Gostaria de conhecer melhor a história desse alferes, saber onde e quando nasceu e morreu, é muito importante para quem deseja saber um pouco mais sobre asa figuras notórias da nossa amada Bahia.

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  2. Muito bom texto, embora careça de detalhes importantes na vida de qualquer cidadão.

    Gostaria de conhecer melhor a história desse alferes, saber onde e quando nasceu e morreu, é muito importante para quem deseja saber um pouco mais sobre asa figuras notórias da nossa amada Bahia.

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