sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

129- ANÉSIA CAUAÇU, MULHER BANDIDA






Anésia Cauaçu não foi um filho ilustre da Bahia.  Foi, isto sim, uma mulher bandida e como tal figura nesta coletânea de baianos famosos.

Feita esta explicação, vejamos quem foi Anésia Cauaçu.

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Anésia Adelaide Cauaçu foi uma cangaceira que viveu no município de Jequié e redondesas, no início do século vinte.

Em sua juventude foi uma simples mulher casada dedicada ao marido e á filha. Depois, abandonou o lar, juntou-se aos seus tios e irmãos.integrando o famigerado bando dos Cauaçus.

Consta que os Cauaçus antes de serem cangaceiros eram fazendeiros, donos de muitas cabeças de gado em Jequié, Brejo Grande, Conquista, Maracás, Amargosa e Boa Nova. Eram valentes, corajosos. Dizem os mais antigos que eles “foram empurrados para o cangaço depois que um de seus membros foi assassinado a mando de Zezinho dos Laços, personagem que aterrorizou a região por várias décadas”.Zezinho acabou morto pelos Cauaçus.

Alta, esguia, valente, extremamente bonita, carismática, Anésia possuía uma pontaria infalível. Era exímia copoeirista e possuidora grande  habilidade para a tática de guerrilha. Transformou-se, em pouco tempo, no membro mais famoso do grupo.

Certa feita acertou com um tiro disparado  a mais de 300 metros de distância, o dedo de um delegado  durante um enfrentamento com a polícia no centro da cidade de Jequié.

Nas lutas em que se envolveu viu morrerem seus pais e irmãos, além de outros membros de sua famíla. Presenciou sua mãe ser presa e torturada mas nunca se deixou abater  ou se acorvadar.

Anésia foi presa em 1916 e solta logo em seguida.  Valendo-se da proteção de um fazendeiro amigo, abandonou o cangaço e voltou a viver com a sua família.

Dizem que traída pelo protetor, foi entregue à polícia, encerrando assim sua vida de embates e aventuras.

De concreto sabe-se apenas que os Cauaçus apoiaram o movimento revolucionário de 1930, pelo que foram anistiados pelo Governo.

É possível que tenha falecido em Jequié, em 1987, aos 93 anos de idade.

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DEPOIMENTO DE MÀRCIA DO COUTO AUAD (Mestra em Memória Social)


“Lembro do momento em que meus olhos se iluminaram, pela primeira vez, diante de Anésia Cauaçu. Ao nos fazer retornar às passagens mais significativas de nossas vidas, a memória elege imagens, momentos, palavras, cheiros... que funcionam como símbolos de ligação entre essas lembranças e o que as faz despertar, quando reativadas no presente. Sendo essa premissa válida, diante de tantas verdades, lembro-me agora do momento exato em que a figura de Anésia Cauaçu surgiu aos meus olhos. E foi tamanha sua imensidão e tanto o meu fulgor que mal pude conter-me de alegria e prazer. Era meu último dia em Salvador, um sábado, na sede do jornal ATARDE, na seção de arquivo onde pesquisava. A funcionária do setor gentilmente me avisou faltarem dez minutos para o fim do expediente, e eu já havia extrapolado o prazo inicial estipulado. Passei a ser mais rápida na leitura dos microfilmes sobre o inquérito policial aberto para apurar as arbitrariedades da polícia contra os Cauaçus, motivo inicial de minha investigação. E quando a moça me alertou que o tempo havia terminado, rodei ainda pela última vez a manivela da máquina de microfilmagem, e para minha surpresa lá estava ela, seu nome em letras garrafais, matéria de primeira página. Se isso não bastasse, havia uma foto, estragada pelo tempo naquela edição de 25/10/1916. Anésia não estava sozinha – estava de pé, altiva, com uma menina risonha e descalça, também de pé, trepada num banquinho desses de madeira tosca, encontrados em tantas casas de roça. A menina era sua filha. Ali estava a Anésia mãe que, como qualquer mãe, na hora da refeição, pega seu filhote e vai alimentá-lo com um prato de arroz e feijão, carne de sol ou carne seca, quase sempre misturados com farinha de mandioca. Assim a víamos – prato de comida na mão, um pano jogado ao ombro à frente daquela que podia ser tanto sua casa quanto um outro lugar onde se arranchara. Essa a imagem.
Busquei ler suas declarações naquele jornal. E como que transportada, imaginei Anésia falando. Quase podia ouvi-la narrar parte de sua vida e da vida de sua família. A materialização selou de vez meu compromisso com aquela mulher, que me deixava a um só tempo intrigada e deslumbrada.
No momento seguinte, paradoxalmente, me decepcionei. Foi bom achar ali a foto de Anésia. Mas já que havia a foto, porque não estava ela vestida de guerreira, com suas armas, suas cartucheiras, seu chapéu, a “bandida” construída pelo meu imaginário, cuja representação estava nas imagens de célebres cangaceiros, em reproduções de Lampião e sua companheira Maria Bonita?
Decepção momentânea, nada disso importava.O que mais sentia era a satisfação do ser capaz; de quem, diante de tantos caminhos (como Alice, a do País das Maravilhas) a escolher qual me levaria a melhor seguir para encontrar as respostas a minhas indagações ante o desconhecido. Naquele momento, outras tantas questões se estruturavam e me faziam pensar que a partir de então todo um universo se descortinava. Agora era organizar melhor as informações para tentar contribuir no preenchimento da grande lacuna existente na história das mulheres bandidas, que atuaram à margem ou ao lado dos homens.
Anésia representa o símbolo da coragem e do destemor na região de Jequié. E entre suas características mais notáveis percebe-se o amor que devotava à família. Diria mesmo que foi esse amor o elemento primordial capaz de fazê-la imprimir sua marca e perpetuar-se na memória coletiva como mulher respeitada pela valentia e pela força em combate. Como outras mulheres guerreiras de seu tempo, que também vivendo na caatinga tornaram-se símbolo de força e resistência. Mulheres sobreviventes à rudeza da terra e às lutas constantes por poder e demarcação de territórios.
Essa a lembrança que me surgiu quando pretendi iniciar meu depoimento, de modo a apresentar Anésia Cauaçu com a mesma emoção com que ela chegou a mim. Imagem e voz.
Anésia Cauaçu – mulher, mãe, guerreira pertenceu a um momento singular da história da região – o banditismo. A mulher-bandida que em determinado momento chegou a liderar seu bando e nele imprimir sua marca de coragem e valentia. Talvez sua característica seja a de exímia atiradora, pela qual se fez respeitada em toda a região, de Maracás a Jequié e vizinhanças. Sua história é formada, em verdade, de muitas histórias.
Esse é um fragmento da memória de quem, como pesquisadora, viveu em Anésia, uma longa trajetória ainda inacabada”. 





Um comentário:

  1. Essa história da família Cauassu, cauaçu ou Cangussu , merece ser melhor investigada. Assemelha a muitas histórias de tantas outra mulheres nordestinas revoltadas com as injustiças cometidas por coronéis contra as suas famílias . Esse conto gira em torno de história oral, lendas e mitos. Todo um conteúdo fictício construído pela imaginação das tradições. Acho pouco provável que essa mulher tenha comandado cangaceiros, o mais provável pela narrativa é que tenha se integrado a um grupo de bandoleiros fugitivos a partir do assassinato do fazendeiro. E ela dava cobertura as membros desse bando. Como explicar não ter ficado presa ou julgada ou assassinada por vingança? Como explicar que logo após a sua rápida prisão e soltura , ela se estabeleça como comerciente em plena rua dos prazeres em Jequié? É continuar investigando.

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