quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

137- NOLA ARAÚJO

NOLA ARAÚJO

Georgeta Pereira de Araújo, mais conhecida como Nola Araújo, escritora ,jornalista e memorialista, nasceu em 24 de janeiro de 1911, na cidade de Cachoeira, no Recôncavo baiano.

Filha de Ricardo Vieira Pereira e Georgeta Motta Pereira, era neta do jornalista Augusto Ferreira Motta, fundador de  O Guarany, o jornal mais antigo da região.

Tinha como irmãos o deputado Augusto Públio Pereira (1907-1060) e Olga Pereira Mettig (1914-2004).

Colaborou com a extinta Revista Neon do jornalista Sérgio Mattos, onde publicou artigos sobre sua infância e juventude em Cachoeira, bem como costumes e tradições de seu torrão natal.

É autora de quatro romances, dois deles ( Beijo D ´Água e Careta) tendo  como foco a cidade de Cachoeira.

Uma coletânea de artigos de sua autoria, intitulada Crônicas de um Tempo,  foi publicada pelo jornal A Tarde, de Salvador.

Sua obra, toda ela, se caracteriza pelo cunho predominantemente memorialista com destaque para as personalidades que mais se destacaram nas letras e nas artes de Cachoeira. São Felix, Muritiba e cidades circunvizinhas. Em Beijo D ´Água aborda, sobretudo, aspectos históricos da região.

Uma de suas crônicas mais conhecidas se refere ao ano de 1987, onde descreve  os festejos de Nossa Senhora da Boa Morte. Ei-lo:

“Folheando um bloco de anotações já em desuso, fui surpreendida por algo que me tocou em cheio. Como em sentido figurado, uma lembrança esquecida em lonjuras me chegou com nitidez tão clara, a ferir aquele agrado plácido de antigamente, no ensejo das festividades de minha cidade, tão afeita aos costumes ancestrais. Quando em nossa vida de menina, vezes a curiosidade se aguça, de um jeito, que hábitos e lembranças de um tempo se guardam no subconsciente e, muito mais tarde, quando, menos se espera, vêm à tona tão pitorescos quão agradáveis.

Da janela do meu sobrado se descortinava a igreja da matriz na sua bela arquitetura e, ao mesmo tempo, em lado oposto, se situava a simples casa de sinhá Maria de Melo. Debruçada em estreito passeio e que justamente nessa noite, apresentava um ar pouco visto. As pretas da Irmandade de Nossa Senhora da Boa Morte, numa azáfama de entrar e sair, despertavam aquela noite do dia 13 de agosto, no arrastar de suas chinelas, no empunhar de tochas acesas, iluminando desse jeito seus trajes típicos de época. Nossa Senhora deitada em esquife charola, na sala da casa de sinhá Maria de Melo para ser conduzida em procissão à igreja da Matriz. De longa data, já se tornara costume a imagem permanecer, todo o tempo, sob a guarda dessa irmã da Boa Morte, irmã preta orgulhosa, pimpona e em posses remediadas, como se dizia vulgarmente.

As pretas, quando já na igreja, em silêncio, faziam aquela vigília tão significativa, quase em penumbra, onde a fé e o respeito imperavam naquele ambiente religioso. Desfilando contas do rosário, madrugadamente cochilavam, pendendo a cabeça sobre o peito tão preto, até que a aurora se avizinhasse, tipicamente friorenta, no ventoso mês de agosto.

No dia seguinte, à tarde, realizava-se a procissão por toda a cidade. As irmãs daquela comunidade, com as infalíveis tochas às mãos, e o traje de gala, o qual levava o nome de “beca” por ser confeccionado em saia preta plissada, e o pano da costa, também preto forrado de vermelho, eram um luxo só. Como complemento, alvas camisas bordadas até o ombro e pequenas mangas, torso e chinelas brancas, em cetim, bordadas a seda ou a ouro, de acordo com as posses. E, para maior realce, usavam correntes com bentinhos, braceletes vistosos e argolas, em ouro maciço, de rara beleza !

As pretas da procissão, que negociavam no antigo Mercado Modelo (de segunda a quinta feira), moravam na cidade de Cachoeira. Quando nas comemorações de sua padroeira, em trajes da irmandade, elas exibiam tão naturalmente aquele derraame de ouro sobre a pele preta e lustrosa, então aflorava, de certo, a sua descendência africana que, hoje, creio, ainda perdura, pois ali ficaram impregnadas as suas raízes.

Finalmente, no dia seguinte, às dez horas, havia a missa festiva na mesma igreja, seguida de pequena procissão de Nossa Senhora da Glória, simbolizando a ressurreição de Maria (com outra imagem em pé). Entretanto, em outras solenidades religiosas, como sejam, casamentos, batizados ou novenas, as suas indumentárias eram coloridas e as saias bem rodadas sobre anáguas, engomadas e endurecidas, com o tempero, de goma e limão. Comumente as raparigas levavam consigo um pequeno banco de madeira, tecido com palhinha, e, quando se sentavam, as anáguas, empinando, roncavam sobre tapas distribuídos na roda das saias.

Enquanto isso, após as solenidades religiosas, como arremate de festa, havia o famoso e indispensável samba. Essa dita festa era realizada sempre em casa de uma das irmãs, escolhida como provedora e, quase sempre, no antigo Riacho do Pagão, ruela situada por detrás da rua da Matriz. O samba realizava-se em uma pagodeira, tão grande, quanto animada, que se estendia por três dias, com numerosa freqüência, não só pelas entidades da Irmandade, como daquelas que livremente afluíam, como raparigas e rapazes.

E os casados, ah!, ah!, havia sempre um meio para, às escondidas, participarem de tão pitoresco costume, muito embora houvesse, vez em quando, algum comentário aos ouvidos das digníssimas consortes.

Qunto aos comestíveis, perus e leitões eram assados e farofados, sarapatel e a clássica feijoada, tão condimentada, sopravam porta afora aquele cheiro capitoso, como se fora um convite sem cartão nem etiqueta.

Isso tudo se passava num tempo, devagar, em que o luar clareava a cidade, o Rio Paaraguaçu era enfeitado de barcos e canoas e a ponte D. Pedro II afigurava-se a uma aprazível passarela”.

Nola Araújo faleceu em Cachoeira, aos 93 anos de idade.

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