São muitos na música
os casos de artistas cujo brilho ofuscou o talento de outros criadores, fazendo
lembrar os azedos tempos de Mozart e Salieri. Na Bahia, as décadas de 50 e 60
representaram para a Escola de Música da Ufba um período propício para o culto
das vaidades. Então “pupilas do senhor reitor” Edgard Santos - Dança e Teatro
disputavam a sua preferência -, a unidade serviu como laboratório para a
implantação de um projeto cultural de porte, abrigando figuras de vanguarda,
como Hans Koellreutter, Ernst Widmer e Walter Smetak. A morte do pianista
Sebastian Benda, aos 76 anos, na Suíça, e que abandonou precocemente a escola,
em 1961, reacende uma época de tensões e competições, ainda não suficientemente
pesquisada e explorada. O legado de Sebastian Benda, um dos nomes que
integraram a corte estrangeira da Ufba no esplendor da sua efervescência
cultural, ainda não foi devidamente reconhecido pela Escola de Música e quem
afirma não é um leigo no assunto, mas um dos seus ex-diretores, o professor e
etnomusicólogo Manuel Veiga. Aluno de Benda entre 1954 e 1957, nos lendários
Seminários de Música, embrião da escola, ele avalia o papel do mestre na
formação de várias gerações:
“Nós tínhamos o Koellreutter, um apóstolo
do dodecafonismo, da música nova, mas considero-o mais um fator de catarse do
que um feitor. Ele contribuía para a reação, mas não participava dela. O Benda
não falava, mas fazia música nova”- testemunha Veiga. Não apenas
Benda, mas um grupo de professores composto, entre outros, por Pierre Klose e
Gabrielle Dumaine, salienta Manuel Veiga, foi responsável pela apresentação em
Salvador, ao vivo, da música contemporânea que se produzia na Europa de então,
bem como música do repertório tradicional de acesso limitado no Brasil. Sem
desmerecer o carisma e fascínio do regente alemão, dono, porém, de personalidade
controversa, Veiga diz que o suíço diferenciava-se pelo não-radicalismo. Era
exigente, crítico, respeitava as hierarquias, mas gostava de simplificar as
coisas, seja como intérprete ou docente. Sob a sua orientação, concluiu o curso
de piano e recebeu ensinamentos valorosos. “A música, para Benda, era um
sacerdócio. Não uma mera sintaxe de sons que facilmente dominou, mas algo
metafísico, vindo de fora, presente de Deus e de heróis”, comenta. Foi
assistindo aos exclusivos concertos da Sociedade de Cultura Artística da Bahia
(SCAB), de Alexandrina Ramalho, no começo dos anos 50, que Manuel Veiga travou o
primeiro contato com o futuro orientador. Em 57, o músico baiano viajou para os
Estados Unidos para uma temporada de estudos. Em 1961, Benda se transferia para
o Rio Grande do Sul, para ensinar na Universidade de Santa Maria, e, anos
depois, para São Paulo. Sebastian Benda viveu de 1952 até 1981 no Brasil. Na
Bahia se casou com Luiza do Eirado Dias, com quem teve cinco filhos, vários
deles músicos. Sua última visita a Salvador aconteceu há seis anos. Nos momentos
finais de vida dedicava-se a fazer música de câmara com os filhos. Segundo
Manuel Veiga, “a história da Escola de Música da Ufba teria sido diferente não
tivesse contado com Sebastian Benda como um de seus pilares
fundamentais”.
Simone Ribeiro é jornalista; integrante da equipe de A TARDE
Cultural.
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