segunda-feira, 26 de novembro de 2012

PETHION DE VILLAR


PETHION DE VILLAR




Egas Moniz Barreto de Aragão, mais conhecido como como Pethion de Villar, médico, professor universitário e poeta, nasceu em Salvador no dia 4 de setembro de 1870, sendo seus pais Francisco Moniz de Aragão e Ana Lacerda Moniz de Aragão.
Em 1895, concluiu o curso de medicina na Faculdade de Medicina da Bahia, pela qual recebeu o grau de doutor, depois de defender tese sobre “Síntese da Medicina”.
Praticou o parnasianismo e dirigiu a “Revista do Grêmio Literário”.
Fez parte da Academia de Letras da Bahia, onde ocupou a cadeira número 13 que tem como patrono Francisco Moniz Barreto.
 
Portador de cultura invejável, faleceu no mesmo solar onde nasceu, deixando quatro filhos, todos poetas e conhecidos por seus respectivos pseudônimos:
Lina Villar (Evangelina Moniz de Aragão de Goes Arajújo),
Egas Moniz Barreto de Aragão (Nuno de Villar),
Duarte Moniz Barreto de Aragão (Duarte Aragão)  
Ana Moniz de Aragão do Rego Maciel (Anita Didier).
 
Produziu alentada bibliografia sobre assuntos científicos, filosóficos e literários mas foi acima de tudo poeta.
Em vida publicou apenas um folheto de 39 páginas sob o título “Suprema Epopéia”.
Quatro anos depois de sua morte, a viúva Maria Elisa de Lacerda Valente Moniz de Aragão publicou em Lisboa “Poesias Escolhidas” e em 1975, o Conselho Federal de Cultura (MEC) publicou “Poesia Completa”.
 *

 De sua autoria são, dentre muitos outros, os seguintes versos:

 UM LAÇO DE FITA

Preso em negra madeixas perfumosa,
Provocante mimoso , ontem eu via,
Refreando do cacho a rebeldia
Um lacinho de fita cor de rosa

A lirial criança que o trazia
Valsando, cair deixa-o descuidadosa;
Apanhei-o veloz - Coisa espantosa ! -
Laçou-me o laço a alma ! ... quem o diria !

Laçou-me o coração e já o elo queima...
Em vão partí-lo tento; a minha teima
Mais aperta a laçada. Coitadinho !

Desde então, réu de amor, vivo amarrado
Sem vontade sem forças condenado
A ser galé perpétuo de um lacinho !


HOMENAGEM

Ao talento musical da jovem e eximia
pianista, a Exma Sra. Dona MARIA

ROMANA MONIZ DE ARAGÃO.
IMPROVISO


Tocas - vibra em o piano uma alma, fala e pensa!
Tocas - quanta expressão, meu Deus!...que sentimento
Palpita em cada nota !...o mágico instrumento
Soluça - voz de poeta a gaguejar imensa

Tocas - como um casal de garças que, fugindo,
Das plumas soltas a voar mil pérolas.....assim
Ruflam-te as alvas mãos no lago de marfim,
Pe’o teclado em fóra - acordes sacudindo.

Tocas - mochos revoam, espalham-se assustados,
Da harmonia ao açoite, os meus negros cuidados!...
Tocas - brilha o luar, desfaz-se a escuridão

Que a vida.........................
Oh!... toca mais !...ouvindo-te suave
Esqueço-me do mundo, ergo-me, torno-me ave,
Abro as asas e, vôo bem longe...na amplidão...

 
A ALMA VERDE


Às vezes, alta noite, à boca da floresta
Cheia de uivos de amor e de berros ferozes,
Como a voz do oceano aterradora e mesta,
Levanta-se uma voz feita de cem mil vozes;

E essa voz que amedronta o coração mais forte
E como harpas de ouro ao mesmo tempo enleva,
De galho em galho vai, como um grito de morte,
Espalhando o terror atávico da Terra !...

Desembesta o tapir que o pânico escorraça;
Enrosca-se a jibóia, o jaguar sente medo,
Na escuridão da loca o Índio acuado espia...

Tudo se encolhe, treme, espera, silencia,
Da pluma dos bambus à aresta do rochedo...
É a alma da floresta - a Alma Verde que passa

 

A UMA SENHORA
Em dia de aniversário


Fosse meu verso aroma e a frase fosse flor,
Tivesse o verso meu mil formas peregrinas,
E a minha tosca rima o brilho, a tinta, o odor
Das rosas, dos jasmins dos cravos, das boninas;

Então Senhora, então formosa, um ramo cheio
De essências tropicais, de um gosto transcendente,.
Com a devida vênia e sem nenhum receio,
Eu vos daria hoje, ufano e alegremente.

Mas como do poeta as vozes langorosas,
Não podem transforma-se em flores, em perfumes
E a rima não possui o trescalar das rosas,
E a estrofe não contém da natureza os lumes;

Aceitai entretanto estas linhas sem cor,
Tal como esse buquê de violetas...Cai-me
Do lábio um riso - é pobre o mimo e sem valor, -
Mas é de coração, Senhora ! Desculpai-me

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

MARINHA

Desce a Noite enrolada em brumas hibernais. . .

Trágica solidão, vago instante sombrio,

em que, tonto de medo, o olhar não sabe mais

onde começa o mar e onde acaba o navio.

Nem o arfar de uma vaga: o mar parece um rio

de óleo; oxidado o céu de nuvens colossais,

num zimbório de chumbo acaçapado e frio,

escondendo no bojo a alma dos temporais.

Nem das águas no espelho o reflexo de um astro...

Apenas o farol, no vértice do mastro,

rubra a pupila, a arder, dentro de uma garoa.

E lá vai o navio, espectral, lento e lento,

como um negro vampiro, enorme e sonolento,

pairando sobre um caos de tênebras, à toa.

POEMA DAS VOGAIS
(Alexandrinos modernos)

Ao impecável estilista Remy de Gourmont

...........................................voyelles,
Je dirai quelque jour vos naissances latentes.

Rimbaud

A – branco.

O – preto.

U – roxo.

I – vermelho.

E

E – verde.

Sim, toda vogal tem um aroma e uma cor. Que sabemos sentir, que

Poderemos ver de Cima do Verso, de dentro do nosso Amor.

A


A – deslumbramento alvor; lagoas de neblina,

Mortas entre bambuais em noites de luar;
Panejos de Albornoz; celagens de morfina;
Hóstias subindo, lento, entre os círios do altar.

Neve solta a cair; runimóis do Himalaia;

Palidez de noivado; asas pandas de cisne;

Estátuas; colos nus; penumbras de cambraia;

Pétala de magnólia antes que um beijo a tisne.

O

O – negrumes do mar; torvas noites de chuva;

Escuridão dos teus cabelos perfumados;

Gargantas de canhões; compridos véus de viúva,

Longos dias cruéis dos que não são amados.

Veludo que reveste a petrina das moscas,
Dessas que vão pousando em tudo, sem respeito,

E um dia hão de zumbir, gulosas, sobre as roscas
Alvas e frias de teu corpo tão bem feito!

U

U – lúgubres clarões agônicos de enxofre;

Cor do Mistério; cor das paixões sem consolo;
Soluço há muito preso, estourando de chofre;

Último beijo, olhar vesgo e triste de goulo.

Olheiras de Saudade; olheiras de Ciúme;

Chagas místicas de S. Francisco de Assis;

Clangores d´órgão que poeta algum resume;

Desilusões de amor que nenhum verso diz.

I

I – púrpuras reais alcachofradas de ouro;

Rubores virginais; lacre de bofetadas;

Fanfarras de clarim; alamares de toro
Onde o carrasco abate as frontes rebeladas.

Sangue escarrado das bocas tuberculosas;

Sangue da aurora; orvalho ardente das batalhas;

Sangue das uvas; sangue aromado das rosas;

Farrapos de bandeira assanhando metralhas!

E

E — febre do uíste, cor das campinas em flor,

Transparências de absinto; alma da mata virgem;

Cor da Esperança; paz das vigílias do amor;

Mortalhas, que do mar as glaucas ondas cirgem.

Hieróglifos que Deus ou o Diabo escreve
Nas frontes geniais dos Bardos e dos Sábios;

Espáduas sobre as quais a Morte, muito em breve,
Voluptuosamente há de colar os lábios.

..................................................................................

A – branco.

O – preto.

U – roxo.

I – vermelho.

E

E – verde.

Sim, toda vogal tem um aroma e uma cor,
Que sabemos sentir, que poderemos ver de
Cima do Verso, de dentro do nosso Amor.

(Poesias escolhidas, 1928)

HARMONIA SUPREMA

Eu te amo! Eu te amo! Eu te amo! Irrompa finalmente
Do meu lábio covarde, alto, numa explosão
Fatal, de uma só vez este segredo ardente<
Assim como um rugido, assim como um clarão!

Eu te amo! Eu te amo! Eu te amo! Ó Verbo onipotente
Que se fez Carne! Ó doce e horrível confissão!
Asa que vem do Azul varrendo a Noite em frente,
Aleluia eternal, suprema Redenção!

Eu te amo! Eu te amo! Eu te amo! Oh que aurora irradia
Desta frase ideal que anda a cantar, à toda...
Silêncio! Versos meus... parai vossa Harmonia!

Basta! A voz deste Amor que me enleva e me aterra!
Do meu Corpo à minha Alma, indômita, revoa
Como um raio de sol que prende o Céu à Terra.

(Poesias escolhidas, 1928)


Texto e poemas extraídos da obra:
Fontes de Alencar
ANOTAÇÕES DE POESIA
no Centenário da
REVISTA AMERICANA (1909-1919)
Brasília: Thesaurus, 2010.
ISBN 978-85-7062-925-8

O poema das vogais, ..., como em outros seus,

consegue superar a tentação gratuita da virtuosidade. Se-

rão experiências, do teor estético das “variações” em mú-

sica: uma recriação sempre nascente. Pethion de Villar

consegue atingir, ali, a força sugestiva, mercê do proces-

so da “enumeração caótica”, definido por Léo Spitzer e

tão dificilmente fecundo (A. Coutinho – A Literatura no

Brasil, v.IV – Era realista/Era de transição)

Péricles Eugênio da Silva Ramos em Do Barroco ao Modernismo – Estudos de Poesia Brasileira (Rio de Janeiro: 2ª Ed., Livros Técnicos e Científicos, 1979) ao tratar da Poesia Simbolista, fixou que

na Bahia, figura da primeira hora foi Pethion de Villar, também parnasiano, mas em ambas as tendências

legítimo artista...

Aos leitores, a paráfrase de Pedro Kilkerry, recolhida pelo acadêmico Cláudio Veiga:

ZERO

Belo Amor, a olhar da Alma... E o ódio é fusco!

[e é vesga a Inveja!

Por que atrás da Ilusão, na vontade tens asas?

Por que, no orgulho da Obra, após o do Eu, te abrasas,

Se a Morte – Urso Polar – invisível, fareja?

Homem-restos de Raça, e corres tu e atrasas

Esmagado do pé de um deus, que te não veja

Nem a dor que em teu peito, um grande Sol, dardeja...

Oh! Os sonhos caem, como as pedras, como as casas...

Tudo se acabará! No futuro, espreitando,

A figura do Caos, sinistramente ansiada

Por um Como é que espera e a tragédia de um Quando...

E comido do Frio ou do Fogo comido,

O Mundo há de rolar – um Zero desmedido –

Tragado pela boca espantosa do Nada!

 

 

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