"CUICA DE SANTO AMARO", DECLAMENTO
SEUS VERSOS
É difícil separar os dois “Cuíca
de Santo Amaro”: o homem simples que se
transformou em um tipo popular, e o cidadão iletrado que foi uma expressão da
literatura de cordel.
Qualquer que seja a opinião do
leitor, ela, por certo, não impede que “Cuíca de Santo Amaro” seja considerado
um filho ilustre da Bahia.
*
José Gomes, mais conhecido como “Cuíca
de Santo Amaro”, foi um grande cordelista que se trajava de modo irreverente, com
um fraque surrado, óculos escuros e flor
na lapela.
Andava pelas ruas de Salvador
esbanjando um humor sarcástico.
Seus pontos de preferência eram o
Elevador Lacerda e a Baixa dos Sapateiros.
Era uma figura amada pelo povo e
antipatizada pelos que freqüentavam seus folhetos de cordel.
Era, no dizer de Ciro Júnior, um “repórter
do povo”, um “cronista do cotidiano”.
Sua escolaridade inconclusa o
transformou em um tipo popular.
Antes de tornar-se cordelista teve,
pelo menos, dois empregos fixos: um em uma tinturaria da Baixa das Quintas e
outro o de cobrador de bondes. Depois,
começou a vender “miudezas” e recebeu o apelido de “Cuíca de Santo Amaro” pelo
fato de viajar sempre para Santo Amaro da Purificação e, naquela cidade do
Recôncavo, vadiar, tocar viola e fazer farra às margens do rio Subaé.
Ele próprio se autodenominou “de
Santo Amaro”, depois que uma senhora santoamarense, que havia perdido um filho,
resolveu adotá-lo. “Cuíca”, explica
Josias Pires, porque ele tirava o som da cuíca, no violão”.
Ele sobrevivia com os anúncios que
as lojas colocavam nos seus filhetos, folhetos que ele vendia na Baixa dos
Sapateiros, atraindo a freguesia.
Seus folhetos registravam fatos
intrigantes, maridos traídos, fofocas de patrão com empregada, assassinatos,
mutilações e coisas que tais.
Uma de suas reportagens, a mais
rumorosa, teve por título “A mulher de Brotas” ou melhor, “A mulher que capou o
marido, em Brotas”.
A história deste filho ilustre da
Bahia foi reconstituída em um filme que o retrata como um indivíduo de
comportamento perfomático, uma pessoa do povo que foi parte do cenário das ruas
de Salvador e que, na sua incultura foi um poeta, um poeta da arte de cordel.
Disse Josias Pires, um dos
autores do referido filme,procurando inocentá-lo: “Ele é aquilo que todo
romancista queria ter criado. Personagem de mil faces, de características
contraditórias. E´o herói e anti-heroi. Um poeta livre, das margens, popular. É
o Gregório de Matos sem gramática”.
“Cuíca era um sujeito muito visível. Qualquer
pessoa que circulasse pela cidade tinha notícias dele, porque ele gritava
poesias, livrinhos, anúncios na rua. Não se encontra ninguém que viveu aqui nos
anos 1940 e 1950 e que nunca tenha visto Cuíca atuar. E a obra dele ficou muito
dispersa, mas conseguimos reunir mais de 300 livrinhos de pesquisadores e
pessoas que compraram em Salvador, Feira de Santana, Rio de Janeiro, São Paulo
e Estados Unidos”, conta Josias Pires.
Segundo a mesma fonte, “nas
memórias coletadas, fica aparente o papel de jornalista extorquista, do poeta e
comunicador de rua. Em suas crônicas de cordel, era sempre assunto a boataria
dos escândalos, alvo de curiosidade dos moradores e de preocupações dos
protagonistas reais daquelas tramas”.
Ainda Josias Pires: “Eram
escândalos, segredos de alcova, traições amorosas. Tratava de muitos temas
complicados, que incomodam, e que até hoje pessoas que têm amigos que sofreram
com isso não querem falar. Trazia essas temáticas que se vê hoje no mundo cão
da televisão, casos policiais, mães que estrangulam filha. Mas ele usava esses
casos escandalosos para vender”.
“Cuíca de Santo Amaro”, ou
melhor, José Gomes morreu em 1964, deixando Salvador órfã de um de seus filhos
mais amados.
Diz o “Recanto das Letras” : “Seus
versos virulentos assustavam poderosos e gente comum, e não havia segredo
guardado a sete chaves que escapasse do seu faro para escândalos, que tornava
públicos na cidade através de cordeis. Este foi, ao lonto da vida, o seu
ganha-pão. Venal pra uns, genial para outros, uma coisa, porém, ninguém nega:
este personagem do século passado mantém uma atualidade singular, que não se
insere em nenhum rótulo”.
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Ricardo De Benedictis, publicou em homenagem a “Cuíca de
Santo Amaro”, depois de sua morte, os seguintes versos:
“Ao grande Cuíca de Santo Amaro, “in memoriam”
Cuíca de Santo Amaro
Grande fidalgo baiano
Morava em São Salvador...
Um bom cronista, de faro,
Contava o cotidiano
Do coitado e do doutor...
Viveu há cinqüenta anos
Na cidade da Bahia
Que lhe rendia homenagem...
Os seus versos mais insanos
Traziam humor e alegria
E lhe abriam passagem...
Lembro o Elevador Lacerda
bem perto do meio-dia:
A multidão apressada
E gente que andava lerda
Dois minutinhos perdia
Pra ficar bem informada...
Bengala e óculo escuro
Cuíca, bem alto, lia
O seu cordel encantado...
Tinha gente sobre o muro
Que sua voz, atenta ouvia
Sobre fato consumado...
Era cego de nascença
Um cantador diferente
Que contava cada história...
Pra êle, não tinha crença
Fosse inimigo ou parente,
Que escapasse da memória...
Mulher que capou marido
Filho que matou o pai
A boazuda do patrão...
O Cuíca era inxirido
Bota pra fora o que sai
Tudo o que lhe vem à mão...
Seus livretos pendurados
No varal improvisado
Custavam o valor de um pão...
E todo o mundo queria
Participar da alegria
Que tinha em seu coração...”
Cuíca de Santo Amaro
Grande fidalgo baiano
Morava em São Salvador...
Um bom cronista, de faro,
Contava o cotidiano
Do coitado e do doutor...
Viveu há cinqüenta anos
Na cidade da Bahia
Que lhe rendia homenagem...
Os seus versos mais insanos
Traziam humor e alegria
E lhe abriam passagem...
Lembro o Elevador Lacerda
bem perto do meio-dia:
A multidão apressada
E gente que andava lerda
Dois minutinhos perdia
Pra ficar bem informada...
Bengala e óculo escuro
Cuíca, bem alto, lia
O seu cordel encantado...
Tinha gente sobre o muro
Que sua voz, atenta ouvia
Sobre fato consumado...
Era cego de nascença
Um cantador diferente
Que contava cada história...
Pra êle, não tinha crença
Fosse inimigo ou parente,
Que escapasse da memória...
Mulher que capou marido
Filho que matou o pai
A boazuda do patrão...
O Cuíca era inxirido
Bota pra fora o que sai
Tudo o que lhe vem à mão...
Seus livretos pendurados
No varal improvisado
Custavam o valor de um pão...
E todo o mundo queria
Participar da alegria
Que tinha em seu coração...”
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